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A limpeza de “Campo de trigo com ciprestes” ou, menos é mais..

  • Foto do escritor: ArtChimica
    ArtChimica
  • 15 de dez. de 2017
  • 3 min de leitura

Atualizado: 16 de dez. de 2017

(por Boris Marcelo Goitia Claros)


O óleo “Campo de trigo com ciprestes” foi pintado pelo gênio Van Gogh que para mim, é um dos seres humanos mais iluminados que já andaram pela Terra...

Pintado em 1889 faz parte de uma série de três quadros similares com temas conexos que foram realizados em sua passagem por Arles na França.

Originalmente a pintura não possui verniz (característica comum entre os impressionistas e pós-impressionistas). Com o passar do tempo a superfície pictórica acumulou décadas e décadas de sujidades, fumaça, gorduras, etc. Criando um efeito de “névoa” escura sobre a tela, o que não permite a real percepção das cores, variações de tons, nuances de pinceladas, etc, que tanto nos impressionam e nos emocionam quando admiramos uma pintura de Van Gogh.



Vicent van Gogh, A Wheatfield with Cypresses, 1889, óleo sobre tela, 72,1 x 90,9 cm, realizado no sanatório St-Rémy, próximo a Arles na

França onde Van Gogh foi paciente de 1889 a 1890


Fez-se necessária então a limpeza da superfície pictórica como procedimento de restauração. A limpeza em si é uma operação de bastante risco pois há grande possibilidade de se danificar a superfície quimicamente e fisicamente, além é claro de eliminar, mesmo despropositadamente, detalhes da pintura que formam a harmonia e características fundamentais da obra. Além disso há uma real possibilidade de ao se utilizar produtos químicos como solventes durante o procedimento de limpeza, estes permaneçam na obra por muito tempo, danificando lentamente a pintura.


Exemplo de uso de solvente

Imaginemos por exemplo, o uso do solvente Metil Etil Cetona (MEK) na limpeza de uma superfície pictórica. Algumas parâmetros importantes que devemos conhecer do MEK:

. pH aproximado: 5,5

. ponto de ebulição: 80 oC

. viscosidade: 0,43 cp

Esses são só alguns parâmetros que achei importante discutir aqui. Não inclui a toxicidade do solvente e a liberação de resíduos no meio ambiente...

O pH 5,5 não é exatemente ácido mas consideremos que podemos ter nessa faixa de acidez, com presença de umidade e temperatura uma reação com um pigmento orgânico muito comumente utilizado em pintura artística (não no caso de Van Gogh), o azul de ftalocianina:


Esse pigmento deve sua cor graças ao sistema conjugado de duplas ligações (ligações duplas alternadas, que nesse caso existem 20 o que o toram um bom cromóforo), e a presença do cobre ou cobalto quelados.

Pois bem, um solvente como MEK, além de solubilizar o verniz, irá também solubilizar o pigmento e “arrancá-lo” da superfície pictórica, pode também ao longo do tempo (lembremos que alguma parte do solvente que aplicarmos na superfície irá se “entranhar” pelos poros e craquelamentos da pintura e lá permanecer por até anos...), reagir com o pigmento em uma reação ácido-base já que a estrutura do pigmento possui pares de elétrons livres que podem reagir com substâncias ácidas e assim, se quebra o sistema conjugado e o pigmento perde sua cor resultando em estruturas como essa abaixo, que não possui a cor original do pigmento:


Claro que isso também pode acontecer pela ação dos raios UVA e UVB mas deixemos que os danos se restrinjam a fatores naturais sem ter que aumentar, nós mesmos esses danos...

O ponto de ebulição do MEK é próximo ao da água: 80oC, ou seja, de baixa taxa de evaporação (poderá permanecer mais tempo “escondida” na camada pictórica graças a isso), e a viscosidade é menos da metade da água: 0,43 cp (da água é em torno de 1,0 cp), ou seja, a sua penetrabilidade na superfície pictórica é muito alta...

Esse exemplo do MEK é só um exemplo entre vários (vários solventes).


Então a pergunta:

Vale a pena arriscar a limpeza de uma obra de Van Gogh ou qualquer outra, com solvente como o MEK, ou qualquer outro solvente que possa causar danos similares? Eu responderia que só se fosse estritamente necessário e após exaustiva avaliação dos prós e contras.


Exemplo de uso de água destilada com gotas de detergente neutro

Voltando ao “Campo de trigo e ciprestes” de Van Gogh, o corpo técnico do laboratório de conservação e restauração, do National Gallery de Londres, onde o quadro se encontra, optou por uma limpeza simplesmente com água destilada e algumas gotas de detergente neutro, aplicada em pequenas quantidade com o uso de um pequeno pincel de cerdas macias. O resultado parcial é o que vemos abaixo:



Fez-se opção pelo pincel já que a textura das pinturas de Van Gogh são praticamente “tridimensionais” e o uso clássico de swab poderia danificar a topografia da camada pictórica por ação mecânica.

Este é um belo exemplo onde a opção por uma simples limpeza com água destilada e detergente neutro reestabeleceu quase toda a originalidade da obra praticamente sem danos. Exemplo do “menos é mais...”.

Para detalhes de todo o procedimento aplicado á obra consulte artigo em pdf que o National Gallery disponibilizou no link:


Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2017


 
 
 

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