Caracterização de obras de papel por Análise Térmica para fins de conservação e restauração
- ArtChimica
- 26 de dez. de 2017
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A datação exata de obras de papel normalmente se dá por realização de análise por carbono 14. No entanto o resultado exato e confiável desse tipo de datação depende de vários fatores preparo de uma quantidade suficiente de amostra (mínimo de 100mg), que pode significar boa parte da integridade da obra de papel, se o papel está impregnado com materiais mais recentes que necessitam ser retirados como tintas, etc., também se o papel é de época muito recente o que daria resultados imprecisos de análise. E vários outras características que necessitam ser monitorados e controlados enfim.
A análise térmica de um papel por outro lado pode ser realizada até com 1 mg de amostra. Algumas informações que esse tipo de análise pode fornecer serão discutidas adiante.
Qual a necessidade para o restaurador de se datar ou caracterizar uma obra de papel?
A necessidade mais óbvia de se datar uma obra de papel em princípio são os estudos de perícia para fins de autenticidade da obra por exemplo.
Por outro lado, o restaurador de obras de papel poderia utilizar informações sobre a época aproximada e as características químicas de uma obra de papel, como subsídio técnico para definir a abordagem e os procedimentos que seriam mais assertivos para a restauração desse tipo de obra.
Exemplo de definição de época aproximada e características químicas de uma obra de papel
Neste trabalho se desejava obter subsídios técnico para a restauração de uma obra de papel, uma gravura de Frank Feller que seria da data de 1890, a fim de se estabelecer os melhores procedimentos de restauro.
O trabalho foi desenvolvido pela aluna, na época, Kika Motta, do curso de Conservação e Restauração da EBA/UFRJ, com nossa cooperação.

A nossa sugestão foi de realizar uma análise de TGA (análise termogravimétrica) e DSC (análise calorimétrica diferencial).
O que é TGA e DSC?
É uma técnica de análise química que se aplica, no campo das artes, aos seguintes materiais:
- argamassas
- cerâmicas
- atribuição de polímeros
- estudos de degradação
- concentração de pigmentos em pinturas
- diferenciação de papéis
- caracterização de têxteis

O equipamento que realiza esse tipo de análise, consiste basicamente a grosso modo, de um “forno” que contém uma micro balança de altíssima precisão em seu interior. A amostra é colocada nessa micro balança, registarndo-se o peso inicial da amostra. O forno é fechado e começa um aumento de temperatura gradual que vai normalmente de 25oC a 1000oC. A medida que a temperatura aumenta, a amostra dentro do forno, no nosso caso um papel, começa a sofrer transformações (explicação a grosso modo sem detalhamento técnico, que é desnecessário para nossa discussão no momento):
Até o aumento de 100oC a amostra vai perdendo umidade;
De 150 a 300oC a amostra vai perdendo material orgânico volátil como solventes;
De 200 a 500oC a amostra perde muito material orgânico de natureza sólida e alto peso molecular;
Acima dessas temperaturas o material inorgânico da amostra vai sofrendo reações de transformações diversas;
E em 1000oC a amostra é calcinada e sobram elementos e óxidos.
Então é gerado um “gráfico” ou termograma, onde as perdas de massa da amostra são plotadas versus o aumento de temperatura:

Neste caso temos um pelo animal sendo submetido à análise térmica. Observem que em 200 a 400oC há grande perda de massa. Essa perda corresponde à decomposição do material protéico da amostra (queratina, etc), já que é um pelo animal.
Já no termograma abaixo que é de um pelo sintético:

observamos que a perda de material se dá acima de 450oC que é típico de materiais sintéticos como polímeros.
Ou seja, podemos diferenciar por exemplo, se um pelo encontrado em uma pintura de cavalete, é oriundo de um pincel de pelo animal ou de material sintético, por uma simples análise de TGA e DSC. Vários casos de perícia em obars de arte estão relacionados a essas observações...
Voltando à obra de Frank Feller
Os resultados obtidos da análise de papel da obra de Frank Feller
É mostrado abaixo:

Interpretação dos resultados:
Em aproximadamente 60oC há perda de 5% de massa que corresponde a umidade;
Em aproximadamente 300oC há perda de 56% de massa que corresponde a matéria orgânica, mais precisamente celulose;
Em aproximadamente 400oC a 430oC há perda de 32% de massa que corresponde a matéria orgânica, mais precisamente lignina (típicos de papeis mais antigos);
Sabe-se que papéis mais contemporâneos possui mais de 90 a quase 100% de celulose em sua composição e que papéis com ligninas, especialmente em teores tão elevados, acima de 20% correspondem a papéis mais antigos ou até mesmo papiros.
No artigo científico abaixo discute-se esse tipo de análise,
Thermoanalytical methods: a valuable
tool for art and archaeology
A study of cellulose-based materials
J Therm Anal Calorim (2011) 104:527–539
E se discute também resultados de análise térmica de papiros analisados que possuem termogramas similares ao que obtivemos:

Conclusões
Podemos de maneira sucinta concluir:
A análise térmica é uma ferramenta boa obter informações da composição de papéis;
A análise térmica é uma técnica relativamente barata: de R$ 200,00 a R$ 300,00 por amostra;
Através dessa análise podemos saber quanto de celulose tem um papel e portanto o quanto ele estará susceptível a degradações ácidas por exemplo;
Através dessa análise podemos identificar, pelos teores de celulose e ligninas, a época a que o papel pertence (papéis com ligninas são mais antigos e degradam menos);
Através do conhecimento da composição do papel, o restaurador pode planejar a conservação desse material. Papéis com maiores teores de celulose por exemplo, deverão ser protegidos de ambientes ácidos ou alcalinos. Papéis mais antigos que possuam teores elevados de ligninas, sofrerão menos degradação com o tempo.
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